quinta-feira, 24 de maio de 2012

Sem hesitar, deixei-me cair... uma e outra vez

O luar iluminava todo o bosque e o contorno da serra que se avistava bem ao fundo. 
Eu, ali estava, ajoelhado naquele soalho, fixado numa infinita tela que me pedia algo mais. Sabia-a incompleta e no entanto não lhe avistava um fim próximo.
Fixo num padrão azulado, ali estávamos nós. Eu e ela, os pincéis e as tintas, a noite e o tempo.
Aproximei-me um pouco mais da tela e disse-lhe "E agora minha amiga?...O que fazemos?...".
Assentei a cabeça no pano em tempos cru e observei-a de uma outra perspectiva. 
Pela primeira vez num novo ângulo - pensei. 
E durante uns longos minutos ali fiquei, imóvel...
Não havendo coincidências, as cores das formas e as formas das cores, mexeram-se! 
Sem explicação aparente e credível o quadro ganhara vida. Tudo se mexia e contorcia de uma forma suave e serpentada, parecendo um rio a correr da nascente para o encontro com Neptuno.
De forma a satisfazer a curiosidade inata e humana, ergui a mão e ao baixa-la novamente, toquei-lhe. 
O nosso encontro sensorial foi tudo menos físico. A minha mão passou a camada de tinta por mim aplicada, o preparo à base de cola, tinta branca e china clay, o pano cru e continuou, directamente para onde o soalho deveria estar, mas não estava!
Retirei a mão rapidamente e senti-a completamente molhada. Água. Um fio desse liquido precioso escorria-me agora pelos dedos.
Um calor de excitação apoderou-se de mim!
Levei os dedos aos lábios e saboreei-a. Sem dúvida, água no seu estado natural mais salgado. 
"Água do mar !", exclamei.
Voltei a mergulhar a mão... depois o braço... a outra mão... e por fim, sem hesitar, deixei-me cair...


Encontrava-me agora a flutuar num mar de um azul luar!
O primeiro instinto foi o de procurar subir e respirar, mas reparei que não estava a sufocar, antes pelo contrário, respirava, como se tivesse guelras no lugar dos pulmões.
Sentia essa água... como um fluído... como sangue que nos corre nas veias e artérias...
Que sensação estranha e ao mesmo tempo deliciosa...
Parecia que tinha retrocedido no tempo e estava novamente numa fase pré-natal.
A luz fornecida pelo satélite natural entranhava-se na água, dando-lhe uns tons familiares e relaxantes.
Aquele Azul...
Olhando para baixo reparei que o leito desse mar era coberto de uma areia fina e a curta distância de mim, existindo pelo meio umas verdejantes e viçosas algas, enraizadas por entre umas rochas que por ali estavam desde sempre.
Admirando o majestoso novo mundo que me rodeava, ali fiquei por momentos de infinito prazer...
Com leves movimentos de braços ou pernas, conseguia-me deslocar para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita. Helicoidando o corpo, conseguia rodopiar e aos poucos e poucos parecia dançar.
Com a música na minha cabeça e todo um palco subaquático ao meu dispor, o actor e o publico fundiam-se num só ser.
Por vezes sentia as algas a taparem-me o luar, como se o pano fosse correr e nova peça iniciar.
E as melodias prosseguiram. E as coreografias prosseguiram. Até que os movimentos levaram-me à exaustão.
Cansado e feliz, procurei um bom nicho na macia areia e repousei. Fechei os olhos e sorri. E ali fiquei...

Texto: excerto de 'Sem hesitar, deixei-me cair...' by FerdoS 
Foto: FSerrano

2 comentários:

  1. Na abertura do Coração fica a válvula da Emoção que o deus das palavras manuseia com a ilusão de unir dois mundos…

    Pintaram a rua de azul. Terá sido um humano, terá sido um querubim? Quem quer que tenha sido sabe pintar sonhos em fitas de cetim. Malabarista-pintor que enfeitaste os sentidos da princesa enquanto dormia e lhe vestiste um manto de pétalas azuis. És um criador de mundos, um estilista de sentidos, um malabarista de sonhos coloridos, de mundos desconstruídos!

    Há um mundo para lá do que o olhar alcança.

    Para ti...
    Um mundo colorido...
    Um mundo feliz...
    Um mundo cheio de paz...
    Um mundo cheio de afecto...
    Um mundo cheio de serenidade...
    Um mundo cheio de esperança...
    E um dia cheio de alegrias!

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  2. Obrigado querida Ana, por seres, estares e tanto de bom desejares. E sabes?! Nesse mesmo mundo que tão bem foi pintado e grafitado por ti aqui, desejo meu é e será sempre multiplicado por mil e retribuído a ti... Que o Olimpo te abençoe Ana Lua!

    Beijinho grande em tons de azul***

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