sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Quantas viagens e mochilas depois Bruce Chatwin?!...

“Esta manhã não tenho nenhuma religião em especial. Meu Deus é o Deus dos Caminhantes. Se alguém caminhar o suficiente, é bem provável que não necessite de nenhum outro Deus.”


Chatwin, autor de “Na Patagónia”, “O Vice-rei de Ajudá” , “Que Faço eu Aqui” e “ O Canto Nómada”, entre outros, nasceu em 1940 e morreu de sida em 1989. Trabalhou como jornalista no Sunday Times Magazine e ficou famosa a sua carta de demissão onde escreveu apenas, “Fui para a Patagónia”. Foi antiquário mas principalmente viajante e atraía tanto homens como mulheres com o seu ar de rapaz atrevido – na realidade, Chatwin era totalmente narcísico e havia nele qualquer coisa de "podre" como afirma Dwight Garner. O mais interessante tem a ver com as suas incontáveis viagens solitárias, os seus hábitos pouco "ortodoxos" – conta-se que fazia caminhadas pelo campo, nu, com botas e flores atadas ao pénis – a sua amizade com Susan Sontag – que dizia que Chatwin era o único amigo capaz de partilhar com ela uma refeição em Chinatown de "intestinos fritos e unhas dos pés" – e com Paul Theroux. Foi através de Sontag que poderá ter conhecido Sam Wagstaff, o patrono e amante de Robert Mapplethorpe que Chatwin dizia ter sido quem o infectou com o HIV – outras vezes contava que tinha sido repetidamente violado no Daomé. Na sua correspondência, torna-se visível o tipo de relação que teve com a mulher de quem viveu separado a maior parte do tempo – casaram em 1965 – mas que o tratou devotadamente durante a doença. Uma personagem complexa e trágica que provocou polémicas devido ao facto de nem sempre descrever as culturas, as pessoas e os lugares que conheceu com objectividade. Ao fim e ao cabo Chatwin era um escritor e não um sociólogo, historiador ou antropólogo…


Eis um livro que podemos classificar como um marco na literatura odepórica moderna: Na Patagónia, de Bruce Chatwin. Publicado em 1977 foi a primeira obra escrita pelo autor inglês e a que o consolidou como um dos grandes travel writers britânicos de todos os tempos.
O que diferencia essa obra de tantas outras narrativas de viagem? Algumas particularidades, entre elas a habilidade de Chatwin em misturar no seu relato de viagem a ficção com a realidade; essa obra marca um novo olhar sobre os relatos de viagem, onde o narrador sente-se livre para interpretar aquilo que vê e vivência sem se prender à realidade absoluta das circunstâncias. É claro que isso, em algum momento, poderá desagradar a algumas pessoas, particularmente aquelas que fazem parte da história, como de facto aconteceu com Chatwin (alguns dos personagens entrevistados disseram mais tarde que suas conversas com o escritor não aconteceram da forma como foram relatadas).
Para Chatwin existem algumas chaves de leitura para que se possa captar melhor o propósito de sua obra. Para ele, a Patagónia é o lugar mais distante que o homem caminhou desde o seu local de origem, sendo por essa razão um símbolo de inquietação, de desassossego. Na opinião de Chatwin, a descoberta da Patagónia teve o mesmo efeito na imaginação do homem que a chegada à lua, de forma ainda mais poderosa.
Na Patagónia o autor intercala passagens históricas e lendárias relacionadas aos lugares pelos quais vai deambulando, e isso contribui muito para que se crie na nossa mente o imaginário de uma Patagónia quase mítica, como se essa região do planeta fosse de facto um fim do mundo para onde se dirigem todos os exilados do planeta, para onde vão aqueles que já não encontram o seu espaço na sociedade. Para esses, a vida só tem sentido na solidão, entendida aqui nos seus aspectos mais diversificados (geográfica, social, familiar, espiritual...). Uma obra grandiosa, Na Patagónia é uma lição para quem quiser aprender como escrever um relato de viagem com muito estilo e categoria.


FerdoS 
(Desenho: Shawn Yu / Textos: Comunidade de leitores e P.Césare )

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